Cuba em transformação
Visitar Cuba em um momento de transformações e renovação de costumes, é deixar-se contagiar pela esperança de um povo e, de certa forma, se tornar um personagem da História do país.
Texto e fotos Alexandre Eça*. Especial para a The Traveller
Cuba tem personagens que nos perseguem a todo instante. Eles estão nos restaurantes, nas lojas, nas portas das casas, nos museus e nas repartições públicas. Fidel Castro, Camilo Cienfuegos, o argentino Che Guevara – artífices da revolução que aprisionou o país em um tempo todo próprio –, mas também o escritor norte-americano Ernest Hemingway – voz que ajudou a identificar Cuba como uma nação diferente. Em qualquer cidade do país eles são onipresentes.
Cuba vive um momento de transformação com a chegada da internet, maior abertura da economia e o aumento considerável no número de visitantes estrangeiros – só em 2017 foram mais de quatro milhões de turistas. Seu povo está cada dia mais conectado com o mundo. Os jovens usam tênis de marcas internacionais, têm grandes relógios e cordões dourados, ouvem reggaeton, andam de patins e skate de um lado para o outro, mas parecem não perder a identidade. Nas muitas e bem cuidadas praças de Havana encontramos seus moradores com celulares, tablets e laptops à mão, disputando um sinal wi-fi ainda precário e tentando se inserir em um planeta que não parece mais tão exótico e distante. Tampouco surge como um inimigo a ser combatido. São nessas praças que o povo cubano socializa e encontra uma nova forma de contato com o mundo. A informação é o centro de uma nova revolução no país. Revolução que não é apenas social e de costumes.
A capital Havana
Habana Vieja é a parte histórica da capital, Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, e está ganhando uma nova cara. São dezenas de prédios sendo restaurados, novos hotéis de excelência internacional como o Gran Hotel Manzana Kempinski chegando, restaurantes e bares com influências gastronômicas diversas, galerias de arte, cafés com decoração contemporânea. Tudo isso parecendo conviver em harmonia com o que Cuba tem de mais tradicional. Muitos restaurantes ao redor da Plaza Vieja têm música ao vivo. A música cubana, elegante, aquela que mundo conheceu por meio do cineasta alemão Wim Wenders e seu Buena Vista Social Club é um patrimônio. Sucessos de Omara Portuondo, Compay Segundo e Ibrahim Ferrer são ouvidos por todos os cantos nesta parte histórica. Perdendo-se pelas ruelas de Centro Habana, dá para notar que o Capitólio, o Museu Nacional de Belas Artes e o espetacular Teatro Alicia Alonso estão brilhando. Impossível não perceber o contraste com a decadência e a precariedade – quase hipnotizante para qualquer visitante – de centenas de prédios que servem de residência aos moradores da cidade e que parecem não ter sofrido qualquer manutenção desde 1950.
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Havana não é uma metrópole simples. Vive dos seus contrastes. Contrastes notados na arquitetura com influências mourisca, italiana, grega e espanhola, estilos que vão do Art Nouveau ao Modernista e edificações erguidas entre os séculos 17 e 19, como a Catedral de Havana e os palácios Marqués de Arcos e de los Condes de Casa Bayona. A partir do Capitólio, que está sendo preparado para voltar a ser sede do governo de Cuba, caminhando pelo do Paseo de Martí, chega-se ao Malecón – quebra-mar com oito quilômetros de extensão, que é outra área de convivência da cidade e uma das mais belas e bacanas. No fim da tarde, centenas de pessoas – turistas e locais – se reúnem ao redor do Castelo de San Salvador de la Punta para ver e fotografar o mais conhecido pôr do sol do país. O Malecón é o caminho que leva a Vedado, o bairro moderno da cidade e seu maior polo cultural. Vedado tem antigas mansões erguidas antes da Revolução de 1959, amplas avenidas e largas calçadas que convidam a caminhadas, centros de cultura como a Fábrica de Arte Cubano, restaurantes que estão entre os melhores do país, baladas de música eletrônica e jazz, e um clima que não esconde ser internacional.
Habana Vieja e Vedado são duas regiões obrigatórias para entender Havana e esse novo momento de Cuba. Havana é emocionante e muito segura. Uma cidade excitante, que tira o sono. Que nos convida a caminhar, conversar e socializar. Mas essa vibração parece viver quase exclusivamente por aqui. No interior do país, o clima é outro e uma Cuba campesina se revela. Um passeio interessante é conhecer Pinar del Río e suas lantações de tabaco. É pouco mais de uma hora de carro entre Havana e a região de Viñales, onde ficam as fazendas que cultivam o melhor tabaco do país, matéria-prima para os famosos charutos cubanos, ícones de estilo que conquistaram personalidades como o ex-presidente norte-americano John Kennedy.
Trinidad e Cienfuegos
Para mergulhar ainda mais fundo na Cuba rural, conhecer a colonial Trinidad é essencial. Cuba não é apenas Havana ou a face caribenha estampada em Varadero e nos vários cayos (ilhas), com suas praias de areia branca, mar de inacreditáveis tonalidades de azul, atividades aquáticas e resorts all-inclusive. A nova revolução em Cuba, que tem como ponto de partida o estreitamento (ainda tímido) das relações diplomáticas com os Estados Unidos desde a visita do ex-chefe de Estado Barack Obama em 2016, alcança a cidade distante 360 quilômetros de Havana. Uma viagem de cinco horas nos leva a uma região que viveu seu primeiro apogeu no início do século 19 com a indústria açucareira. Foi neste período que seu centro – hoje Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco – tomou forma e agora surge como grande atração. O casario colonial restaurado em pouco mais de três quilômetros quadrados tem charme e graça, concentrando um número enorme de galerias de arte, bares e restaurantes.
Trinidad vive um novo momento de glória, desta vez impulsionado pelo turismo. Canadenses, franceses e italianos compõem a maioria dos visitantes. Mas há também muitos asiáticos ávidos por registrar com suas câmeras um lugar que, muito mais que Havana, parece ter parado no tempo. Em uma cidade tão pequena, surpreende a animação da noite na alta temporada. Ao contrário da capital, onde quase tudo fecha às 23h, em Trinidad a festa vai madrugada adentro a partir das quintas-feiras. Festa que está muito mais nas ruas do que em locais fechados. A escadaria da Casa de la Música é o ponto de encontro de todos, onde ouve-se ao ar livre o melhor da música do país, sempre embalada por mojitos e daiquiris. Cercada por montanhas de um lado e o mar de outro, Trinidad também tem sua porção caribenha com a extensa e agitada praia Ancón e outras menores e mais calmas. A arquitetura como atração pode ser observada também em Cienfuegos, outra pequena cidade a 80 quilômetros de Trinidad, que foi colonizada por franceses no século 19 e tem seu casario colorido totalmente preservado. Um prato cheio para fotos.
Em Trinidad tudo parece mais calmo. Os ânimos arrefecem e mesmo o contato com o povo é diferente de Havana. Enquanto na capital todos parecem querer chegar perto dos turistas, puxam assunto – quando se é brasileiro, a conversa sempre vai convergir para o futebol e para as novelas, que são tradicionais em Cuba –, no interior tudo parece mais reservado. Ainda assim, o cubano é muito simpático e é quase impossível evitar uma boa conversa. Cuba é educada, extremamente gentil com quem a visita e seu povo é dono de sorrisos largos e espontâneos. Está em mudança, quer abandonar o século 20, um tempo em que parece aprisionada. Quem chega neste momento de transformação acaba contagiado e, também, não apenas testemunhando a História, mas de certa forma, se tornando personagem dela.
Quando ir
novembro a junho
Como ir
A Copa Airlines tem voos para Havana a partir de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte com escalas no Panamá.
Onde ficar
Gran Hotel Manzana Kempinski
Havana
O primeiro hotel de excelência internacional chegou ao país em 2017 e está ajudando a mudar a cara do centro da cidade. O hotel tem design moderno e sofisticado, além de um rooftop com vista para Habana Vieja, que pode ser considerado um dos mais incríveis do planeta.
Paradisus Princesa del Mar
Varadero
Com uma praia de areias brancas e mar azul praticamente exclusiva, piscinas e 13 restaurantes, o Paradisus Princesa del Mar tem uma área com acesso restrito aos hóspedes – a Royal Service –, com serviços personalizados.
Iberostar Trinidad
Trinidad
Fora da área histórica, o hotel é o principal da cidade. Conta com bares e restaurantesexclusivos para os hóspedes e serviços de concierge que organizam diversos passeios pela região rural.
* Alexandre Eça é jornalista e fotógrafo e foi a Cuba para produzir a matéria que é capa da edição 84 da revista The Traveller.
